Em 5 de julho de 2017, a Fundação para o Devido Processo, juntamente com organizações da sociedade civil da Colômbia, México, Peru e Estados Unidos, e clínicas de direitos humanos de universidades do Brasil e do Canadá, interpuseram um amicus curiae em recurso de habeas corpus que tramita perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste recurso, 19 indígenas do Povo Kaingang solicitaram a tradução e intérprete, nos momentos mais relevantes do processo penal que respondem perante a Justiça Federal, bem como a produção de perícia antropológica por profissional habilitado e com conhecimento da cultura Kaingang.
Brasil é um dos poucos países do continente no qual um juiz penal pode aferir, sem qualquer apoio em perícia antropológica ou linguística, o grau de compreensão do indígena sobre um determinado idioma. No processo penal contra os 19 réus Kaingang, a Justiça Federal e o Ministério Público alegaram, precisamente, que os indígenas demonstraram entendimento do idioma português, inexistindo necessidade de intervenção de peritos, tradutores ou intérpretes, com fundamento, dentre outros, na abandonada tese da integração.
A peça de amicus curiae descreve os dispositivos de tratados do Sistema Interamericano e Universal de Direitos Humanos e resume a jurisprudência de altas cortes do Canadá, Estados Unidos, México e Peru, bem como os pronunciamentos de organismos internacionais sobre a tradução, interpretação e perícia antropológica em processos penais contra réus indígenas. Segundo os parâmetros do Direito Comparado e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, tais garantias devem ser observadas desde as primeiras etapas do procedimento penal, não sendo da esfera de conhecimento e atuação da autoridade judicial e/ou do Ministério Público, emitir conclusões sobre a compreensão idiomática e a condição indígena do réu.
As organizações que assinam o amicus curiae ressaltaram que as mencionadas garantias são fundamentais para o devido processo e a ampla defesa, protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, dentre outros tratados assinados e ratificados pelo Brasil. Neste sentido, solicitaram que o STJ decida favoravelmente à ação de habeas corpus e reconheça o direito dos 19 indígenas do Povo Kaingang e das testemunhas indígenas de contar com a tradução das peças mais importantes e intérprete presente em todos os atos do processo, bem como a produção de perícia antropológica por profissional qualificado e com o devido conhecimento sobre a cultura Kaingang.
Confira aqui a peça de amicus curiae.